Resenha - Tempos Extremos, Míriam Leitão

Quantos mistérios uma antiga fazenda perdida entre as serras das Minas Gerais pode guardar? Mistérios que chegam de forma inesperada, revelando passados diversos a uma família dividida por conflitos afetivos e políticos e ali sitiada por causa das chuvas. É o que Larissa, jovem deslocada entre os seus, descobrirá, em uma estranha jornada na qual perseguirá sombras e segredos para encontrar desejos autênticos e entender os próprios sonhos. No primeiro romance da consagrada jornalista Míriam Leitão, o leitor não encontra espaço para respirar. É uma história de paixões extremas, sobre tempos extremos, urdida com sutileza e convicção. Uma viagem às vezes em quase delírio pelos flagelos da escravidão, no século XIX, e os subterrâneos do regime militar, no século XX. A narrativa se passa no século XXI, mas as linhas temporais são rompidas. Assim, as paredes centenárias da fazenda, o cemitério onde eram lançados os negros que chegavam ao cais do porto do Rio de Janeiro à beira da morte, após a travessia do Atlântico, e as celas das prisões arbitrárias promovidas pela ditadura dialogam entre si quase como personagens, na busca por verdades escondidas. No entremeio, as relações tormentosas entre pais e filhos e entre irmãos tecem uma trama densa e ousada que revisita passados que o Brasil tem preferido deixar acobertados pelo silêncio. Como ficcionista, Míriam Leitão mantém a mesma postura que marcou sua trajetória de jornalista: não faz perguntas fáceis. Nem abre caminhos para zonas de conforto. Tempos extremos é a audaciosa estreia de Míriam Leitão como romancista. Relato envolvente que mescla acontecimentos do presente, do século XIX e da ditadura militar.

SÉRIE: Volume Único
AUTOR: Miriam Leitão
EDITORA: Intrínseca				EDIÇÃO: 2014
CONCEITO: 4 estrelas				PÁGINAS: 269
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Tempos Extremos é um livro que muitos julgarão pela capa. Porém para quem decidir conhecer a história a fundo, perceberá quão encantadora é a escrita da autora e quão enriquecedora e maravilhosa é a história apresentada.

O livro conta a história de Larissa, uma moça casada e sem filhos que tentou a carreira de jornalista, mas que não obteve sucesso devido a não adaptação ao ambiente competitivo da redação. Larissa então optou por estudar história, e mesmo após essa nova opção aos 38 anos de idade, a moça ainda não tem certeza sobre o que realmente quer da vida. Com tantas indecisões em sua vida, seguidas de frustrações pela falta de compreensão de sua mãe Alice, a moça aceita a convocação para o aniversário de 88 anos de Maria José, sua avó materna e se refugia nas lembranças de sua infância na fazenda Soledade de Sinhá.

Mas o que Larissa não esperava é que ao chegar naquele ambiente onde passará lembranças boas de sua infância, e no qual foi em busca de encontrar com sua família, algo inusitado lhe aguardara e colocaria em jogo sua sanidade e a realidade na qual está acostuma a viver. Durante sua estadia na fazenda, Larissa se aborrece com a prima e resolve dormir em um quarto no qual desde a infância e até mesmo agora na idade adulta, ninguém se arrisca a dormir, pois se contam histórias na fazenda de que o quarto é assombrado por um fantasma.

Ao passar a noite no tal quarto em que não acredita ter nenhum tipo de assombração, Larissa é surpreendida pela sombra de uma mulher que a princípio pensa ser de sua prima tentando assustá-la. Porém, logo a moça percebe que na verdade o tal vulto estava aguardando exatamente por ela, esperando por ajuda e por respostas que só Larissa poderia dar.

Ao fim, silenciou pensativa. O que a consumia era sua sina de não saber – como Antígona encarcerada – a que mundo pertencia: se dos vivos, se dos mortos. (pág. 54)

Larissa conhece habitantes de um tempo no qual não pertencera e começa uma busca nos arquivos antigos existentes naquela fazenda em busca de ajuda para seus amigos passageiros do tempo. Essa busca fará com que Larissa atravesse portais entre o presente e passado trazendo questionamentos relacionados à sua vida, suas escolhas e ao tempo em que habita.

Queria que compreendesse minha aflição e meu desterro. A nenhum tempo pertenço. Trânsito sonâmbula ou insone por uma enorme casa escura. Nela vejo tudo com visão mais aguda do que jamais tive. Encontro pessoas que não são deste mundo nem desta época, mas elas eu entendo mais do que a minha família. São eles os escravos, ou sou eu a escrava de um tempo no qual não pertenço? (pág. 99)

Nesta teia que envolve passado e presente criados pela autora, a história também envolvera os problemas envolvidos na família de Larissa. Tais como as farpas trocadas entre os irmãos Hélio e Alice que ficaram de lados opostos durante a ditadura militar, o sumiço de seu pai durante a mesma época e o tio que não conseguiu uma posição profissional de sucesso como a de seus 3 irmãos. Sem contar os primos que também estão presentes na fazenda e a avó Maria José que vive tentando apaziguar a situação entre os filhos.

Durante a história segredos de família são revelados e histórias do passado entram em foco fazendo com que o leitor tenha uma experiência sem igual. Detalhes que envolvem a ditadura e a época da escravidão enchem de valor a leitura e levam o leitor a torcer por acontecimentos existentes no passado. Presente e passado andam juntos e são escritos com maestria.

Este foi o primeiro livro que li envolvendo ditadura e escravidão. Confesso que a principio não foi uma leitura fácil por conta da minha falta de familiarização com o gênero, mas foi uma leitura que me agregou um valor imensurável. Parabenizo a autora pela obra tão bem escrita e pela capacidade de mesclar passado e presente de uma forma tão suave.

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