Resenha - Sonhos Partidos, M. O. Walsh

Livro: Sonhos Partidos
Autor(a): M. O. Walsh
Editora: Intrínseca
Páginas: 256
Adquira: Saraiva | Submarino | Americanas
Livro cedido através da parceria com a editora

Baton Rouge, capital do estado da Louisiana, nos Estados Unidos, é uma cidade conhecida por seus churrascos no jardim, tardes quentes de verão, barris de cerveja gelada e muitos fãs de futebol americano. Mas no verão de 1989, quando Lindy Simpson, uma das garotas mais bonitas do bairro e estrela das pistas de corrida, é estuprada perto de casa, fica claro que os subúrbios bucólicos de Baton Rouge também têm um lado obscuro. Para uma vizinhança tão pequena, os suspeitos do crime são muitos. Entre eles o narrador da história, um adolescente obcecado por Lindy que mora na casa em frente à da garota. E é por meio de suas lembranças que somos levados a entender como términos de relacionamentos, culpa e amor podem transformar a vida de maneiras irreversíveis. Combinando o encantamento da infância com a história de um crime violento, em uma prosa perturbadoramente bela, M. O. Walsh analisa os momentos do passado que afetam de forma mais profunda a vida adulta. Uma estreia excepcional que combina suspense com reflexões filosóficas sobre memória, humanidade e verdade.

É difícil falar sobre uma história que aborda tantos sentimentos, que chega a te perturbar. O mais assustador foi perceber só agora que o personagem-narrador não tem nome.

Sonhos Partidos acontece numa pequena comunidade de Baton Rouge. Um daqueles lugares onde todos os vizinhos se conhecem, onde as crianças estudam na mesma escola e brincam juntas nos limites do pântano que fica atrás das casas. Sempre há quem destoe da maioria, mas ainda sim era um lugar harmonioso. Talvez por isso, o estupro de uma garota de 15 anos a poucos metros de sua casa choque tanto os vizinhos. Quem faria uma atrocidade dessas? Por que?

[...] o mais importante, e que estou tento lhe dizer, é que naquela rápida discussão, eu entendi que dentro de todos os homens reside ao mesmo tempo a capacidade de sermos ameaçadores e covardes.

Apesar do tamanho da comunidade, existiam muitos suspeitos. O narrador era um jovem com uma obsessão um tanto quanto compulsiva por Lindy Simpson, o que fez dele um dos suspeitos. Ele deixa isso claro no início da história, mas por algum motivo, eu não conseguia acreditar que pudesse ser ele. Então isso aliviou minha culpa por estar simpatizando com um dos suspeitos de um atrocidade como essa. Mas em alguns momentos eu sentia como se ele estivesse prestes a confessar sua culpa. Enfim, é uma leitura onde não não se pode confiar em ninguém.

Eu pensei que esse pudesse ser um triller, mas essa história vai muito além de qualquer classificação. Há tantas reflexões, tanta sinceridade no que nos é dito que eu não consigo dizer se ela pertence a gênero A ou B. Walsh foi muito feliz na riqueza de detalhes que imprimiu a história. Se torna impossível não emergir naquele ambiente, se sentir como parte dele. Porém, antes de falar do todo, deixe-me falar mais sobre nosso protagonista.

Se talvez o verdadeiro motivo pelo qual não falara comigo por tanto tempo não fora  [...], também por minha adoração ter ficado óbvia demais para que ela pudesse suportar. Afinal, não há nada pior do que ter de lidar com um amor que você não pode corresponder, há?

Posso afirmar que a vida do personagem foi dividida entre o antes e o depois desse episódio. Não era pra menos, já que isso modificou permanentemente o ambiente que o cercava. Poderia ter sido diferente, mas uma palavra desnecessária que falamos pode mudar tudo, não é verdade? Ainda jovem, tudo o que ele queria era uma oportunidade com Lindy e ele perseguiu isso desde o oitavo ano até quase o fim do ensino médio. Nesses momentos, o autor abordava o primeiro amor e autodescobrimento. O narrador perdeu sua ingenuidade, descobriu a sexualidade.. e quem era ele no meio disso tudo?  

O personagem mas instigante para mim foi um tio do narrador. Ele aparece após um momento delicado na vida de sua família, que também foi um marco e tanto para o garoto. Sua participação é breve, mas tão espontânea e cheia de mensagens que metade das minhas marcações foram pensamentos dele. Ele está passando por um momento na sua vida, que só viemos a descobrir mais para o fim da história, que lhe faz pensar muito no amor e em como isso pode mudar a vida de uma pessoa. Esse é um assunto que sempre me toca muito, então suas palavras serviram tanto para o garoto quanto para mim.

- Certo. O que estou dizendo é o seguinte: essa garota de que você gosta agora, você sempre vai amá-la. De uma forma ou de outra. Ela ou alguém como ela. O amor nunca muda. Você pode ter cinquenta anos e se ver fazendo as coisa mais loucas por uma mulher que você acha que não tem nada a ver com aquela primeira, mas tem. Sempre haverá uma ligação, garanto.

Mas é só o amor que muda a vida de uma pessoa? Com certeza que não. Uma infinidade de momentos bons, ruins ou aparentemente insignificantes tem o poder de mudar o rumo de nossas vidas. Acima de qualquer coisa, essa é a mensagem principal do livro. Podemos dizer que as histórias são meio paralelas, mas isso nada mais é do que o curso da vida de um jovem que amadureceu e seguiu seu caminho.

Esse tal tio foi só a ponta do iceberg formado por tantas personalidades distintas que o autor nos apresentou. A maioria dos personagens são vizinhos e olha, você vai encontrar de tudo. Assim como é na vida real, correto? Relacionei um ou outro com pessoas que conheço, mas o mais assustador é aquele que pode estar ao seu lado mas não transparece o que é. Sério, até onde conhecemos as pessoas que nos cercam? Nós, humanos, somos estranhos e temos uma capacidade absurda para fazer cosias boas e ruins. Isso me da medo.

Há dentro de todos nós a capacidade de ter virtudes e dignidade, mas também está ao nosso alcance nos tornarmos banalidades irrelevantes ou, ainda pior, atrair a indiferença das pessoas que amamos.

Não conheço a equipe responsável por buscar os novos lançamentos, mas Intrínseca, preserve-os. Eles estão fazendo um trabalho incrível. Mas não foi só nisso que a editora arrasou né. O título mudou, a capa mudou e ao meu ver, nossa edição teve mais significado do que a original. Esses desenhos da capa podem parecer meio aleatórios, mas tem tudo a ver com o local e os protagonistas dessa história. A diagramação é simples, mas é confortável e é o que realmente importa.

Uma história que te fisga logo nas primeiras páginas e apesar de um ou outro momento de marasmo, mereceu ser favoritado.